O Fim do Primeiro Emprego? Como a Nova Geração Pode se Adaptar à Era da IA

Toda uma geração está se preparando para trabalhos que podem não existir em um futuro próximo. A Inteligência Artificial já está assumindo funções em áreas como programação, finanças, direito, saúde e marketing, o que levanta uma questão urgente: os estudantes de hoje estão sendo preparados para o mundo que encontrarão ao se formarem?

 

Embora as máquinas se tornem cada vez mais eficientes em suas tarefas, elas ainda não conseguem replicar a criatividade, a adaptabilidade, a empatia e a originalidade humanas. São exatamente essas as novas vantagens competitivas no mercado de trabalho.

 

O problema é que a educação não está evoluindo na mesma velocidade. As universidades, em grande parte, preparam os alunos para os empregos de hoje, e não para a realidade de amanhã. Essa desconexão é confirmada pelo relatório “IA no Mercado de Trabalho”, do Digital Education Council, que ouviu mais de 100 empregadores em 29 países: apenas 3% acreditam que o ensino superior está preparando os graduados para um futuro impulsionado pela IA.

 

A desconfiança não vem apenas dos empregadores. Os próprios estudantes questionam o valor de um diploma. Uma pesquisa do site de recrutamento americano Indeed, revelou que quase metade dos jovens da Geração Z e dos millennials consideram a faculdade um desperdício de tempo e dinheiro, pois acreditam que a IA tornou os diplomas obsoletos.

 

Para prosperar em um cenário de alta competitividade, onde a IA avança rapidamente sobre as atividades de nível júnior, os universitários precisam ir além das habilidades técnicas de suas áreas. Acredito que os profissionais do futuro devem se tornar solucionadores de problemas, em vez de meros detentores de títulos acadêmicos. O foco deve sair da simples retenção de conhecimento e se voltar para a capacidade de identificar e resolver problemas reais.

 

O cenário para os jovens já é desafiador. No primeiro trimestre de 2025, o Brasil registrou uma taxa de desemprego de 14,9% entre jovens de 18 a 24 anos, mais que o dobro da média nacional de 7%. Somando-se a isso, um estudo da Universidade de Stanford confirmou o que muitos iniciantes já sentem na pele: a IA generativa está reduzindo desproporcionalmente as oportunidades de emprego para iniciantes em áreas como engenharia de software e suporte ao cliente. Desde o final de 2022, o emprego para trabalhadores de 22 a 25 anos nas funções mais expostas à IA caiu 13%.

 

Diversos fatores explicam essa realidade, desde a substituição de tarefas pela IA até incertezas econômicas e a volatilidade dos mercados. No entanto, para além das causas imediatas, o que me interessa é o panorama mais amplo. Independentemente dos motivos, o modelo tradicional de carreira — educação, estágio, emprego e ascensão profissional — está se desintegrando. E a tendência é que essa mudança de paradigma apenas se acelere.

 

Segundo um relatório do LinkedIn, os profissionais que entram no mercado hoje terão o dobro de empregos ao longo de suas carreiras em comparação com 15 anos atrás. O que isso significa? Que o cargo importará cada vez menos. O que realmente fará a diferença serão as experiências, as habilidades desenvolvidas, a capacidade de transitar entre diferentes cenários e o uso de ferramentas digitais e IA para amplificar o pensamento crítico, a criatividade e o julgamento.

 

Para se diferenciar nessa nova dinâmica, todo estudante universitário — seja da área de exatas, humanas ou biológicas — precisa focar em quatro ações que transcendem o currículo tradicional.

 

1. Desenvolver o Letramento em IA:

Dario Amodei, CEO da Anthropic, prevê que a IA poderá eliminar metade dos empregos de nível júnior em cinco anos. Atualmente, os modelos de IA são usados principalmente para aumentar a produtividade, liberando profissionais de tarefas rotineiras para que possam se dedicar a atividades de maior valor. Contudo, a tendência é que o uso da IA caminhe cada vez mais para a automação completa de funções. Portanto, é fundamental entender os conceitos básicos de IA, aprendizado de máquina e processamento de linguagem natural. Não se trata de virar um desenvolvedor, mas de compreender como essas tecnologias funcionam e como podem ser aplicadas na sua área.

 

2. Construir um Portfólio de Projetos Usando IA:

Familiarize-se com as principais ferramentas e plataformas de IA. Aprenda a criar prompts eficazes, validar o conteúdo gerado e compreender as limitações e vieses dos sistemas. Construir um portfólio significa usar a IA para solucionar problemas reais, seja desenvolvendo métodos de estudo mais eficazes ou criando protótipos de produtos e serviços na sua área. Busque parcerias com ONGs, empreendedores e grupos comunitários para identificar desafios e aplicar a tecnologia na prática. Documente todo o processo: o problema, as ferramentas utilizadas e os resultados. Essa é a prova de que você sabe adquirir conhecimento e aplicá-lo para gerar valor, algo que, para qualquer empregador, vale mais do que uma lista de certificados no currículo.

 

3. Cultivar Habilidades Centradas no Ser Humano:
  • Pensamento Crítico e Resolução de Problemas Complexos: A IA processa dados, mas são os humanos que interpretam cenários complexos, fazem as perguntas certas e criam soluções inovadoras.
  • Criatividade e Inovação: A verdadeira originalidade e a capacidade de conectar ideias distintas continuam sendo domínios exclusivamente humanos.
  • Inteligência Emocional: Empatia, comunicação e liderança são habilidades interpessoais que a IA ainda não domina e que são cruciais em qualquer ambiente de trabalho.
  • Adaptabilidade e Resiliência: O ritmo da mudança exige uma mentalidade de aprendizado contínuo e a capacidade de se adaptar a novas ferramentas e funções.

 

4. Construir uma Rede de Contatos Forte:

Conecte-se com profissionais da sua área para entender como a IA está impactando o trabalho deles e busque mentoria. Mantenha-se atualizado sobre as novas tendências por meio de publicações, fóruns e workshops.

 

A disrupção que vemos hoje aponta para uma mudança estrutural profunda. A IA parece substituir o conhecimento “codificado” — aquele aprendido em livros e salas de aula — muito mais rápido do que as habilidades baseadas na experiência. Em outras palavras, se o seu trabalho pode ser aprendido em um manual, ele está em risco. O resultado? O primeiro degrau da escada profissional está sendo removido. Sem esse primeiro emprego, como os jovens adquirirão a experiência necessária para ascender?

 

O profissional do futuro precisará não apenas dominar sua área de especialização, mas, principalmente, saber aplicar o seu conhecimento de forma prática, usando a IA como ferramenta para solucionar os problemas da sociedade.

 


 

Escrito por Rafael Irio, fundador e colunista da ClassIA.  Artigo publicado no dia 01/09/2025.